Conheça a história do forró pé-de-serra
A origem do nome forró não possui uma definição exata e ainda hoje divide-se entre a versão acadêmica, baseada nas transformações etnológicas, e as histórias contadas pelo povo nordestino. Segundo relatos populares, a palavra veio de uma forma abrasileirada de se pronunciar o termo inglês For All, que significa “para todos”. Esse seria o nome dado a festas feitas por engenheiros britânicos no início do século XX, que estavam em Pernambuco para construir a ferrovia Great Western. Há quem diga que os promotores das festas eram oficiais americanos durante a Segunda Guerra Mundial, em Natal. Os eventos eram abertos a toda a população, por isso o nome.
No entanto, o fato de a palavra forró já ter sido citada em canções antes de qualquer dos dois acontecimentos (a construção da ferrovia e a guerra) desacredita a história mirabolante. A versão mais aceita, portanto, é a do folclorista Luís da Câmara Cascudo, em seu Dicionário do Folclore Brasileiro (2001). Na obra, ele definiu o verbete forró como sendo descendente da expressão forrobodó, vinda da linguagem africana. O termo designava festas animadas populares, no caso do Nordeste, as animadas por sanfona (ou acordeon). As músicas lá tocadas eram o xaxado, o xote, o coco, entre outras. Com o tempo, a palavra forrobodó foi abreviada para forró e passou a nomear o estilo musical que se tocava nessas festas como um todo.
Já nos anos 40, o sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga criou o baião, que mais tarde também foi incorporado a tudo o que se passou a chamar de forró. Naquele tempo, Gonzaga reuniu os sons e os costumes que conheceu quando criança no Nordeste e traduziu-os para uma linguagem acessível para a população do Centro-Sul do país. Desde que o termo forró passou a designar um gênero musical, o próprio Luiz Gonzaga começou a chamar de “forró pé-de-serra” o tipo de música que ele e alguns de seus seguidores faziam. O termo é uma referência as suas origens, pois ele havia nascido no município de Exu, que fica no pé da serra do Araripe, em Pernambuco. Era lá que o Rei do Baião ouvia os vários ritmos que originaram o chamado forró posteriormente. Esse termo mais tarde também seria usado para designar um movimento moderno e diferenciá-lo das demais derivações do forró.
Quando Gonzaga propagou os sons nordestinos aos outros cantos do País, foi aclamado e recebeu o título de Rei do Baião. Daquela época em diante, diversos trios ganharam espaço nas gravadoras e na mídia, com a formação básica de triângulo, zabumba e sanfona, fixada também por Luiz Gonzaga. Durante cerca de 10 anos, o ritmo nordestino era moda bem vista até na alta sociedade.
No entanto, por volta dos anos 60, com a nova onda de bossa nova, jovem guarda e rock ‘n roll, o forró ficou de lado. “Na hora em que a mídia se desinteressou de Luiz Gonzaga, a classe média se desligou do baião e Luiz Gonzaga ficou marginalizado” (idem. p. 208). Ou seja, forró e seus derivados adquiriram o estereótipo de que seriam dirigidos às classes de menor renda, principalmente do Nordeste, e aos mais velhos. “Na rua, quem andasse com sanfona a tiracolo era motivo de gozação. Na época, mais valia trocar o acordeon por um órgão” (ibidem. p. 229).
Esse ostracismo durou quase 20 anos, mas, nos anos 80, Luiz Gonzaga deu a volta por cima e reafirmou seu nome como um dos mais importantes da música brasileira. Diversos jovens artistas da época passaram a copiá-lo e a recriar sua obra, adaptando o que ele havia feito às novidades daquela geração. É o caso de Alceu Valença e Geraldo Azevedo, por exemplo, que acrescentaram influências do rock e da chamada MPB ao ritmo nordestino.
Ainda assim, a noção de forró, aquele original, como coisa de “pobre e velho” (de forma pejorativa) perdurou por muitos anos, até que, nos anos 90, um grupo de jovens de classe média de São Paulo resolveu misturar tudo um pouco mais e criou o chamado “forró universitário”. Não há um consenso entre os próprios seguidores do estilo sobre as reais diferenças entre ele e o ritmo tradicional. Para os que encabeçaram a onda universitária, a música tocada era a mesma utilizada por Luiz Gonzaga, inclusive os instrumentos, que também fizeram parte de algumas apresentações do Rei do Baião. Para os adeptos do estilo mais purista, o universitário era uma adaptação infiel do autêntico forró, pois acrescentou a ele aspectos do pop-rock e do reggae.
Parte dessas pessoas também acredita que o termo ‘universitário’ foi usado somente para se maquiar a imagem que se tinha do forró de um lugar perigoso e com pessoas “pobres e velhas”. Dizer que era universitário poderia atrair a atenção dos mais preconceituosos e ganhar espaço na mídia, como realmente aconteceu. Pela simples observação imparcial, é possível identificar que o chamado forró universitário era uma versão mais leve, romântica e moderna do tradicional som nordestino. Enquanto o estilo mais antigo costumava falar das agruras da seca e da vida triste e miserável em que vivia o povo do Sertão nordestino, o estilo moderno falava das relações da cidade, da juventude, de alegria. Um dos maiores nomes desse novo movimento foi a banda Falamansa, de São Paulo.
Nesse momento, o termo “forró pé-de-serra” ganhou força para diferenciá-lo do universitário e do eletrônico, surgido já nos anos 2000. Este estilo (o eletrônico) é uma renovação dos ritmos antes conhecidos como brega e calypso, também do Nordeste. Suas letras tratam de temas como paixão, sedução e sexo, de maneira mais explícita e objetiva, se comparadas às do forró pé-de-serra e do universitário. Em sua formação, há sanfona, sax, baixo, guitarra, bateria e teclado, enquanto no forró tradicional predomina a formação básica de triângulo, sanfona e zabumba. O timbre de voz dos vocalistas também costuma ser mais agudo e estridente que do pé-de-serra e, na maioria dos casos, há dançarinos no palco com roupas coloridas e sensuais.
Para a maioria dos seguidores do forró pé-de-serra, é um equívoco chamar esse estilo eletrônico de forró, já que não há semelhanças suficientes entre ambos. Muitos defendem tratar-se mais de uma lambada que se apropriou da marca forró para ganhar audiência. Alguns ainda chegam a chamá-lo de “forró de plástico”. É importante ressaltar, no entanto, que o pé-de-serra também tem uma vertente mais voltada para apelos sexuais e músicas de duplo sentido, conhecido como “forró malícia”.
Entre os grupos que levam à frente a tradição, estão jovens a partir de 15 anos que, mesmo tão novos, continuam valorizando o ritmo surgido em 1940. Um exemplo é a vocalista do Trio Juriti (Sergipe), Thaís. Cantora desde os 10 anos, ela traz um timbre próximo ao de Marinês, a grande Rainha do Xaxado (morta em 2007) e um repertório baseado nos sucessos de ontem e hoje. Mas há também aqueles que fizeram parte da história dessas duas fases do forró e o mantêm ao lado dos jovens atuais. É o caso do cantor e trianguleiro Mestre Zinho, 65 anos, que chegou a tocar com Luiz Gonzaga e recebeu do próprio, pouco antes de seu falecimento, o título de “o maior cantor de forró vivo”, depois dele, é claro. Zinho é tido por esses jovens como um mito, praticamente.
A febre forrozeira nos anos 2000 também teve seus altos e baixos, mas persiste com força suficiente para lotar as casas de forró e os festivais das grandes capitais. Em Brasília, por exemplo, há pelo menos sete opções durante a semana para o público forrozeiro dançar e assistir aos shows. E muitas pessoas chegam a ir todos os dias, somente, como eles dizem, “por amor ao forró”. O mesmo acontece em São Paulo e Vitória (ES), por exemplo.
O estado capixaba, aliás, comporta o maior encontro de forró pé-de-serra do Brasil, o Festival Nacional de Forró de Itaúnas (Fenfit), existente desde 2000. O evento acontece no mês de julho, costuma durar quase 10 dias e já foi responsável pela revelação de diversos trios dessa nova geração, como o Trio Juriti. O Fenfit é também o ponto de convergência entre os forrozeiros de todo o País, músicos, produtores, fãs e dançarinos, que trocam experiências e criam inúmeros laços de amizade. Eles enfrentam várias horas de ônibus ou de carro para passar 10 dias, 24 horas por dia, ouvindo, dançando, cantando e tocando forró.